Casal sentado à mesa com calculadora e papéis, com expressão séria, discutindo a divisão de dívidas conjuntas no processo de divórcio.

O processo de divórcio, por si só, já é um momento delicado, repleto de decisões complexas e de um forte desgaste emocional. Quando o casal possui dívidas acumuladas, uma nova camada de incerteza e preocupação surge: afinal, quem será o responsável por quitar esses débitos após a separação?

Essa é uma das dúvidas mais comuns e angustiantes que chegam aos escritórios de advocacia. Muitos temem ter que arcar sozinhos com um financiamento, empréstimo ou com as faturas do cartão de crédito que estavam em nome do ex-cônjuge. A boa notícia é que a legislação brasileira possui regras claras para essa partilha, visando equilibrar as responsabilidades.

Contudo, a resposta não é tão simples quanto um “divide tudo pela metade”. A forma como as dívidas serão partilhadas depende diretamente do regime de bens escolhido pelo casal no momento do casamento e, principalmente, da finalidade da dívida.

Neste artigo, vamos desvendar como a divisão de dívidas é tratada juridicamente, para que você entenda seus direitos e possa se proteger de prejuízos financeiros em um momento já tão desafiador.

 

O Ponto de Partida: O Regime de Bens do Casamento

Para compreender a partilha de qualquer patrimônio — seja ele composto por bens ou por dívidas —, o primeiro passo é identificar o regime de bens do casamento. É ele quem ditará as regras gerais do jogo.

  • Comunhão Parcial de Bens: É o regime mais comum no Brasil, aplicado por padrão quando o casal não escolhe outro através de um pacto antenupcial. Nele, de forma geral, tudo o que foi adquirido onerosamente durante o casamento pertence a ambos e será partilhado. Isso vale tanto para os bens quanto para as dívidas contraídas nesse período.
  • Comunhão Universal de Bens: Neste regime, todos os bens e dívidas, presentes e futuros, de ambos os cônjuges se unem, formando um único patrimônio. Com raras exceções, tudo é dividido, inclusive as dívidas adquiridas por cada um antes do casamento.
  • Separação Total de Bens: Aqui, há uma separação completa dos patrimônios. Cada cônjuge possui seus próprios bens e suas próprias dívidas, antes e durante o casamento. Em regra, não há partilha de débitos.

Como a comunhão parcial de bens é a realidade da maioria dos casais, focaremos nossa análise nas regras aplicadas a ela.

 

Quais Dívidas São Divididas na Comunhão Parcial? O Conceito de “Proveito Familiar”

No regime da comunhão parcial, a regra de ouro é: as dívidas contraídas durante o casamento, que reverteram em proveito da família, devem ser partilhadas entre os dois, mesmo que estejam no nome de apenas um dos cônjuges.

Mas o que significa “proveito da família”? Significa que o dinheiro obtido com a dívida foi utilizado para beneficiar a entidade familiar como um todo. Alguns exemplos claros são:

  • O financiamento do imóvel onde a família residia;
  • A compra ou financiamento do carro utilizado pelo casal e pelos filhos;
  • Empréstimos pessoais para pagar a reforma da casa, uma viagem em família ou despesas com a educação dos filhos;
  • Dívidas de cartão de crédito usado para compras no supermercado, farmácia, lojas de departamento e outras despesas do dia a dia;
  • Débitos relacionados à matrícula e mensalidade da escola das crianças.

Nesses cenários, a lei presume que ambos se beneficiaram daquela dívida. Portanto, a responsabilidade pelo pagamento é de ambos, na proporção de 50% para cada um.

 

E as Dívidas que Não São Partilhadas? As Dívidas “Particulares”

Por outro lado, existem dívidas que, mesmo contraídas durante o casamento, são consideradas de responsabilidade exclusiva de quem as fez. São as chamadas dívidas particulares, que não foram revertidas em benefício da família.

É aqui que a orientação de um advogado se torna crucial, pois a linha pode ser tênue. Vejamos alguns exemplos:

  • Dívidas anteriores ao casamento: Qualquer débito que um dos cônjuges já possuía antes de se casar continua sendo de sua exclusiva responsabilidade.
  • Instrumentos de trabalho: Dívidas para a compra de equipamentos ou para financiar a profissão de um dos cônjuges (por exemplo, um médico que financia um equipamento caro para seu consultório) podem, em alguns casos, ser consideradas particulares.
  • Débitos de natureza pessoal: Gastos com hobbies extremamente caros e individuais, dívidas de jogo, ou empréstimos feitos para beneficiar exclusivamente a família de origem de um dos cônjuges.
  • Dívidas provenientes de atos ilícitos: Multas e indenizações decorrentes de um crime cometido por um dos cônjuges, por exemplo, não se comunicam ao outro.

É fundamental destacar que o ônus da prova é de quem alega. Ou seja, se um dos cônjuges afirma que uma dívida feita em nome do outro beneficiou a família, ele precisa provar. Da mesma forma, se o cônjuge que contraiu a dívida alega que ela foi para seu uso exclusivo, ele também precisa apresentar as devidas comprovações.

 

Como a Divisão Acontece na Prática?

A partilha das dívidas pode ocorrer de duas formas:

  1. Divórcio Extrajudicial (em cartório): Se o casal estiver de acordo sobre a divisão de todos os bens e dívidas, e não tiver filhos menores ou incapazes, o processo pode ser feito de forma rápida em um cartório. O acordo é formalizado na escritura pública de divórcio.
  2. Divórcio Judicial (na Justiça): Quando não há consenso, a divisão será decidida por um juiz. Neste caso, ambos os cônjuges, representados por seus advogados, apresentarão os documentos e as provas sobre a origem e a finalidade de cada dívida, e o juiz determinará a responsabilidade de cada um.

Uma solução comum é abater o valor das dívidas do patrimônio a ser partilhado. Por exemplo, se o casal tem um imóvel de R$ 500 mil e uma dívida conjunta de R$ 100 mil, o patrimônio líquido a ser dividido é de R$ 400 mil, cabendo R$ 200 mil a cada um.

 

Proteja Seu Futuro com a Orientação Correta

A divisão de dívidas no divórcio é um tema complexo e repleto de detalhes que podem impactar significativamente seu futuro financeiro. Tentar resolver essa questão sem o devido conhecimento legal pode levar a acordos injustos, nos quais uma das partes assume uma responsabilidade que não era sua.

A presunção de que dívidas feitas durante o casamento beneficiam a família é forte, mas não é absoluta. Por isso, a análise criteriosa de cada débito, a reunião de documentos e a orientação de um advogado especialista em direito de família são indispensáveis.

Um profissional qualificado não apenas garantirá que seus direitos sejam respeitados, mas também buscará a melhor estratégia para uma partilha justa e equilibrada, permitindo que você encerre esse ciclo com mais segurança e tranquilidade para recomeçar.

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