A maioria das pessoas no Brasil não deixa um testamento. Quando ocorre o falecimento e não há esse documento para guiar a divisão patrimonial, o processo é automaticamente regido pela Sucessão Legítima, ou seja, é a própria lei (o Código Civil) quem define quem são os herdeiros e quais as suas cotas.
Em meio ao patrimônio deixado, o veículo automotor é um bem que demanda atenção imediata. Ele é de fácil depreciação, gera custos fixos (IPVA, seguro) e não pode simplesmente ter sua propriedade transferida ou ser vendido sem a formalização legal. A dúvida que surge é: o que acontece com o carro de quem faleceu sem deixar testamento?
A resposta é clara e juridicamente inegociável: o carro, como qualquer outro bem, deve ser obrigatoriamente incluído no processo de Inventário. Este artigo é um guia completo para entender como a lei determina a divisão desse bem e quais passos devem ser seguidos para a sua transferência segura e legal.
O Conceito Fundamental: A Sucessão Legítima
Quando o falecido não deixa testamento, o processo de transmissão de bens é chamado de Sucessão Legítima. O Código Civil estabelece a Ordem de Vocação Hereditária, uma lista de prioridades que define quem tem o direito de herdar:
- Descendentes (filhos, netos) em concorrência com o Cônjuge sobrevivente (a depender do regime de bens).
- Ascendentes (pais, avós) em concorrência com o Cônjuge sobrevivente.
- Cônjuge sobrevivente (se não houver descendentes ou ascendentes).
- Parentes Colaterais (irmãos, sobrinhos, tios, até o quarto grau).
O carro do falecido faz parte do Espólio (conjunto de bens) e será distribuído conforme essa ordem. No entanto, é o Inventário que formaliza essa divisão e gera o documento necessário para mudar o nome do proprietário no DETRAN.
A Regra do Inventário: O Único Caminho para a Transferência
O inventário é o procedimento obrigatório, mesmo que não haja testamento e os herdeiros estejam em consenso. Ele serve para levantar o patrimônio, pagar as dívidas do falecido, recolher os impostos devidos (ITCMD) e, finalmente, legalizar a distribuição dos bens.
Por que o Inventário é Inegociável para o Carro?
A transferência de propriedade de um veículo é um ato administrativo fiscalizado pelo DETRAN. O órgão de trânsito exige um dos seguintes documentos para liberar a emissão do novo Certificado de Registro de Veículo (CRV) em nome do herdeiro:
- Formal de Partilha (documento final do inventário judicial); ou
- Escritura Pública de Inventário (documento final do inventário extrajudicial).
Portanto, sem o inventário, o veículo fica legalmente “preso” e irregular. O inventariante (pessoa designada para administrar temporariamente o espólio) pode ser responsável por multas e débitos do veículo, mas não tem autoridade para realizar a transferência definitiva sem a conclusão do processo.
A Partilha do Carro: O Papel da Meação e da Concorrência
Em grande parte dos casos, o carro foi adquirido durante o casamento. Nesse cenário, a divisão segue a complexa regra que envolve a meação do cônjuge sobrevivente.
1. Separação da Meação
Se o falecido era casado sob o regime de Comunhão Parcial de Bens (o mais comum), o cônjuge sobrevivente tem direito à meação (50%) do valor do carro. Essa metade é dele por direito próprio e não é herança.
2. Divisão da Herança (Sucessão Legítima)
Apenas os 50% restantes (a parte que pertencia ao falecido) constituem a herança a ser dividida entre os herdeiros (descendentes e, possivelmente, o cônjuge, se houver concorrência).
Como a Divisão é Feita na Prática?
Raramente um carro é dividido fisicamente. Geralmente, o valor do carro é calculado:
- O carro é atribuído integralmente a um dos herdeiros (que pode ser o cônjuge sobrevivente ou um dos filhos) através do Formal de Partilha.
- Em contrapartida, esse herdeiro compensa os demais com outros bens do espólio ou com dinheiro, de forma a equalizar as cotas de herança de cada um.
Nesse sentido, é crucial que um advogado avalie o regime de bens para determinar a cota exata do cônjuge e dos descendentes, garantindo que a partilha do carro seja justa e legal.
Alternativas para Venda Rápida: O Alvará Judicial
Muitas vezes, a família precisa vender o carro rapidamente – seja porque o veículo gera custos de IPVA e seguro, ou porque o dinheiro é necessário para custear o próprio inventário (como o pagamento do ITCMD e honorários advocatícios).
Se o inventário ainda não terminou, a solução legal é o Alvará Judicial Específico.
O Alvará Judicial é uma ordem do juiz que, mesmo sem a conclusão da partilha, autoriza o Inventariante a vender o veículo a um terceiro (comprador final). O valor da venda, no entanto, é depositado em uma conta judicial vinculada ao espólio, para ser partilhado posteriormente de forma justa entre todos os herdeiros.
Essa medida permite agilidade na negociação e protege os herdeiros de ficarem com um bem que se deprecia rapidamente, ao mesmo tempo em que garante a fiscalização da Justiça sobre o dinheiro.
O Risco da Desídia: O Que Acontece com o Carro não Regularizado?
Deixar o carro em nome do falecido por tempo indeterminado, na esperança de “resolver depois”, é uma atitude de alto risco:
- Multas por Atraso: A multa pela não abertura do inventário no prazo de 60 dias (que incide sobre o ITCMD) afeta a herança como um todo, tornando o processo mais caro.
- Perda de Valor de Mercado: O valor de revenda de um carro com pendências ou em nome de um falecido é drasticamente reduzido.
- Problemas com Licenciamento: O não licenciamento anual gera multas de trânsito e risco de apreensão do veículo.
Além disso, a falta de regularização impede qualquer negociação legal. O carono de quem faleceu sem testamento deve ser tratado com urgência, pois a legislação não perdoa a inércia.
A Importância do Profissional Especializado
Quando alguém falece sem deixar testamento, a lei oferece o caminho claro da Sucessão Legítima. Contudo, transformar essa regra em um documento de transferência de veículo (CRV) requer expertise em Direito de Sucessões.
O carro é um bem móvel com regras administrativas específicas que interagem diretamente com o inventário. Determinar a melhor forma de partilhá-lo (seja transferindo para um herdeiro ou vendendo via Alvará) exige análise do regime de bens, consenso familiar e conhecimento do processo junto ao DETRAN.
Não arrisque a segurança jurídica ou o valor do patrimônio. A transferência de um carro é a parte visível de um processo complexo que precisa ser bem-executado.
Se você está lidando com a herança de um carro e não há testamento, a abertura imediata do inventário é o passo mais importante.
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