Tributação sobre heranças no exterior: como se preparar?

Em um mundo cada vez mais globalizado, é comum que famílias possuam patrimônio ou laços em diferentes países. Com isso, a sucessão internacional se tornou uma realidade para muitos brasileiros. No entanto, o que parece uma bênção – receber uma herança do exterior – pode rapidamente se transformar em uma complexa dor de cabeça tributária se não for tratada com o devido cuidado e planejamento.

A tributação sobre heranças envolvendo bens no exterior é um tema que gera muitas dúvidas e, infelizmente, pode levar a surpresas desagradáveis e até a multas pesadas se não for compreendida e gerida corretamente. Você sabe como funciona a incidência de impostos sobre bens e direitos deixados em outro país? E, mais importante, como se preparar para esse processo?

Se você tem familiares ou bens fora do Brasil e se preocupa com o planejamento sucessório, ou se está prestes a receber uma herança internacional, este artigo é essencial. Vamos desvendar os principais pontos sobre o tema e mostrar como a assessoria jurídica especializada pode fazer toda a diferença.

O Desafio da Dupla Tributação e a Legislação Brasileira

Um dos maiores desafios em heranças internacionais é a possibilidade de dupla tributação. Isso significa que a herança pode ser taxada tanto no país onde o bem está localizado quanto no Brasil, onde o herdeiro reside. Para entender como se preparar, precisamos primeiro compreender o cenário legal.

No Brasil, o imposto incidente sobre heranças e doações é o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação). Sua alíquota varia de estado para estado, podendo chegar a 8% sobre o valor dos bens transmitidos.

A grande questão, e fonte de muita controvérsia, reside em quem tem a competência para cobrar o ITCMD sobre bens localizados no exterior.

A Controversa Regra do ITCMD sobre Bens Estrangeiros

De acordo com a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional (como a Lei Estadual do ITCMD de São Paulo, por exemplo), a regra geral é que o ITCMD deve ser cobrado pelo estado onde se processa o inventário ou onde reside o herdeiro.

No entanto, há uma especificidade para heranças e doações de bens localizados no exterior. A Constituição Federal (Art. 155, § 1º, III) estabelece que, para a cobrança do ITCMD sobre bens situados no exterior, é necessária a edição de uma Lei Complementar Federal.

E qual é o grande ponto? Essa Lei Complementar Federal ainda não foi editada!

Por muitos anos, os estados brasileiros, na ausência dessa lei complementar, passaram a criar suas próprias leis estaduais para cobrar o ITCMD sobre heranças de bens no exterior, alegando competência. Isso gerou uma série de questionamentos judiciais, culminando em uma decisão importante do Supremo Tribunal Federal (STF).

O Entendimento do STF: Inconstitucionalidade da Cobrança Estadual

Em 2021, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 851.108, com repercussão geral, firmou o entendimento de que é inconstitucional a cobrança do ITCMD pelos estados sobre bens situados no exterior ou quando o doador/de cujus residia no exterior, na ausência da Lei Complementar Federal.

Essa decisão trouxe um alívio significativo para muitos contribuintes, pois, em tese, impede que os estados cobrem o ITCMD sobre heranças internacionais até que o Congresso Nacional edite a referida Lei Complementar.

Mas atenção: A inconstitucionalidade não significa que não haverá imposto. Apenas significa que os estados não podem criar suas próprias leis para essa cobrança. Quando a Lei Complementar federal for criada, a União estabelecerá as regras e a competência para a cobrança.

Além do ITCMD: Outras Implicações Tributárias no Brasil

Mesmo com a questão do ITCMD em suspenso para bens no exterior (na ausência da Lei Complementar), é crucial entender que a herança recebida do exterior ainda pode ter outras implicações fiscais no Brasil:

  • Imposto de Renda (IR): Embora a herança em si não seja tributada pelo IR (é uma transmissão de patrimônio, não renda), os rendimentos gerados por esses bens (aluguéis, dividendos, juros) após o recebimento, e enquanto o herdeiro os mantiver no exterior ou os trouxer para o Brasil, serão tributados pelo Imposto de Renda. Além disso, a venda desses bens no futuro também pode gerar ganho de capital, sujeito ao IR.
  • Declaração de Bens e Direitos no Exterior: Os herdeiros residentes fiscais no Brasil que receberem bens e direitos no exterior, e que somem um valor igual ou superior a US$ 100.000,00 (ou o equivalente em outra moeda), devem declará-los ao Banco Central do Brasil (BACEN) por meio da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE). Essa é uma obrigação informativa, não tributária, mas o descumprimento gera multas pesadas.
  • Comunicação à Receita Federal: O recebimento da herança, mesmo que não tributado diretamente pelo ITCMD no momento da sucessão por conta da decisão do STF, deve ser informado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda do herdeiro, na ficha de “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”. É fundamental manter a transparência com o fisco brasileiro.

Tributação no País Estrangeiro: A Importância de Duas Análises

Além da legislação brasileira, você precisa se preocupar com a tributação no país onde os bens estão localizados ou onde o falecido residia. Cada nação tem suas próprias regras de imposto sobre herança (sucessão) ou doação.

É aqui que a dupla tributação pode realmente acontecer. Por exemplo:

  • Estados Unidos: Possuem o “Estate Tax” (Imposto sobre Propriedade) e o “Gift Tax” (Imposto sobre Doações), que podem incidir sobre o valor dos bens.
  • Portugal: Possui o Imposto do Selo sobre transmissões gratuitas de bens.
  • Reino Unido: Possui o “Inheritance Tax”.

Para evitar ou mitigar a dupla tributação, alguns países possuem acordos para evitar a bitributação. O Brasil tem acordos com alguns países, mas eles são mais focados em Imposto de Renda e nem sempre cobrem impostos sobre herança. Portanto, a análise da legislação de ambos os países (Brasil e o país estrangeiro) é crucial.

Como se Preparar? A Necessidade de Planejamento e Assessoria Especializada

Diante de toda essa complexidade, a melhor forma de se preparar é através de planejamento e assessoria jurídica e tributária especializada.

Para o De Cu Jus (Pessoa que Deixa a Herança):

  1. Levantamento Patrimonial Completo: Mapeie todos os bens e direitos, tanto no Brasil quanto no exterior (contas bancárias, imóveis, investimentos, participações em empresas).
  2. Definição da Residência Fiscal: A residência fiscal do falecido (de cujus) é um fator determinante para a aplicação da lei sucessória e tributária.
  3. Análise da Legislação Estrangeira: Um advogado com experiência internacional poderá analisar as leis de sucessão e tributação do país onde os bens estão localizados ou onde o falecido residia.
  4. Testamento Internacional: É possível e, muitas vezes, recomendável fazer um testamento para os bens localizados no exterior, respeitando as leis locais. Isso pode agilizar o processo sucessório e, em alguns casos, reduzir a carga tributária.
  5. Estruturas de Planejamento Sucessório: Dependendo do volume e tipo de patrimônio, veículos como holdings, fundações ou trusts no exterior podem ser opções válidas para otimizar a sucessão e a tributação, sempre com acompanhamento profissional.

Para o Herdeiro (Pessoa que Recebe a Herança):

  1. Obtenha Documentação Completa: Tenha em mãos todos os documentos da herança, incluindo o testamento (se houver), certidão de óbito, documentos dos bens, etc.
  2. Avalie a Legislação no País de Origem: Entenda como a herança é tratada no país onde os bens estão ou onde o falecido morava, incluindo os impostos incidentes lá.
  3. Avalie a Necessidade de Abertura de Inventário no Brasil: Mesmo que os bens estejam no exterior, se houver herdeiros ou outros bens no Brasil, o inventário aqui pode ser necessário.
  4. Consulte um Advogado Especialista: Este é o passo mais importante. Um advogado com experiência em direito sucessório internacional e tributário poderá:
    • Orientar sobre o ITCMD: Explicar a situação atual da inconstitucionalidade da cobrança estadual e as implicações futuras.
    • Auxiliar na regularização: Ajudar na declaração dos bens à Receita Federal e ao Banco Central.
    • Analisar a Dupla Tributação: Buscar estratégias para evitar ou minimizar a incidência de impostos em ambos os países.
    • Coordenar com Advogados Estrangeiros: Em muitos casos, é preciso trabalhar em conjunto com advogados no país onde os bens estão localizados.
    • Conduzir o Processo Sucessório: Seja no Brasil ou auxiliando no exterior, garantindo que todos os prazos e procedimentos legais sejam cumpridos.

Segurança Jurídica é o Melhor Investimento

Receber uma herança do exterior pode ser um marco importante na vida de uma família. No entanto, a ausência de planejamento e conhecimento sobre a tributação sobre heranças no exterior pode transformar esse benefício em um grande problema financeiro e legal.

A complexidade das leis de sucessão e tributação internacionais exige uma abordagem estratégica e altamente especializada. Não arrisque seu patrimônio com informações incompletas ou amadoras.

Seja para planejar sua própria sucessão ou para receber uma herança internacional, buscar a assessoria de um advogado especializado em direito sucessório e tributário internacional é o melhor investimento que você pode fazer. Com a orientação correta, é possível navegar por essa complexa rede de leis, otimizar a carga tributária e garantir que o legado seja transmitido de forma segura e eficiente, sem surpresas desagradáveis. Proteja seu futuro e o de sua família!

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