Trabalhador em seu escritório em casa, com uma expressão frustrada, olhando para a tela de um notebook enquanto o sinal de Wi-Fi está com um X vermelho, simbolizando a queda de internet e problemas técnicos no home office.

O home office, que se consolidou como uma realidade para milhões de brasileiros, trouxe consigo flexibilidade e conforto. Contudo, também transferiu para dentro de nossas casas as incertezas e imprevistos do ambiente de trabalho. A cena é clássica: você está em uma reunião importante ou finalizando um projeto com prazo apertado e, de repente, a tela congela. A conexão de internet caiu. Ou, pior, uma queda de energia apaga tudo.

O pânico inicial com o trabalho é rapidamente substituído por outra angústia: “Serei punido por isso? Podem descontar do meu salário? Posso levar uma advertência?”. Essa dúvida, que paira sobre a cabeça de inúmeros profissionais em regime de teletrabalho, surge da falta de clareza sobre um ponto fundamental: de quem é a responsabilidade quando a tecnologia falha?

Se você já passou por essa situação ou teme que ela aconteça, este artigo é para você. Vamos mergulhar na legislação trabalhista brasileira para entender, de forma definitiva, quais são os seus direitos e deveres diante de problemas técnicos e por que, na grande maioria dos casos, a culpa não é sua.

 

A Regra de Ouro do Direito do Trabalho: O Risco do Negócio é do Empregador

Antes de qualquer discussão específica sobre o home office, precisamos entender um dos pilares do Direito do Trabalho: o Princípio da Alteridade. De forma simples, este princípio estabelece que os riscos da atividade econômica devem ser suportados exclusivamente pelo empregador, e não transferidos ao empregado.

Pense no ambiente físico da empresa: se a energia do prédio acaba ou o sistema interno de internet para de funcionar, nenhum funcionário é punido ou tem seu salário descontado. Eles simplesmente aguardam a normalização, pois estão à disposição da empresa.

No home office, a lógica é a mesma. Uma queda de internet causada por instabilidade na sua região ou uma falha no fornecimento de energia elétrica são considerados fatores externos e alheios à sua vontade. Eles se enquadram no risco do negócio que a empresa assume ao optar pelo modelo de trabalho remoto. Portanto, punir o funcionário por tais eventos é, em essência, transferir a ele um risco que não lhe pertence.

 

O Que a Lei (CLT) Diz Sobre o Home Office?

A Reforma Trabalhista de 2017 incluiu na CLT uma seção específica para regulamentar o teletrabalho (artigos 75-A a 75-E). Um dos pontos mais importantes dessa regulamentação é a exigência de que tudo seja formalizado por meio de um contrato de trabalho escrito (ou um aditivo contratual).

Este contrato é a peça-chave, pois deve especificar claramente:

  • As atividades que serão realizadas pelo empregado;
  • A responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos;
  • A responsabilidade pelo reembolso de despesas arcadas pelo empregado (como energia elétrica, internet, etc.).

A forma como essa responsabilidade é definida no contrato impacta diretamente a análise de problemas técnicos.

 

A Responsabilidade Depende do que foi Acordado: Análise de Cenários

Vamos analisar as duas situações mais comuns e como a responsabilidade é distribuída em cada uma delas.

 

Cenário 1: A Empresa Fornece a Estrutura (Equipamentos e Ajuda de Custo)

Este é o cenário mais claro. Se a empresa fornece o notebook, o modem de internet e/ou paga uma ajuda de custo específica para as contas de luz e internet, a responsabilidade por qualquer falha é inquestionavelmente dela. Se o computador fornecido pela empresa quebrar ou a internet (cujo custo é coberto pela empresa) parar de funcionar, cabe ao empregador encontrar uma solução. O trabalhador, por sua vez, permanece à disposição e não pode sofrer qualquer tipo de penalidade.

 

Cenário 2: O Trabalhador Usa Seus Próprios Recursos

Essa é a situação mais comum e que gera mais dúvidas. Mesmo que você utilize seu computador pessoal e pague por seu próprio plano de internet, o Princípio da Alteridade ainda o protege de falhas externas.

  • Falhas Externas: Quedas de energia na sua cidade, problemas massivos no seu provedor de internet (ISP) ou falhas em servidores de sistemas da empresa são problemas fora do seu controle. A empresa não pode puni-lo por isso.
  • Negligência do Empregado: A situação muda se o problema técnico for causado por sua culpa ou negligência direta. Por exemplo, deixar de pagar a conta de internet, derramar líquido no notebook ou não cuidar adequadamente do equipamento. Nesses casos, a empresa pode, sim, aplicar medidas disciplinares.

 

O Que Fazer Imediatamente Diante de um Problema Técnico? Seu Dever de Comunicação

Embora o risco do negócio seja do empregador, você, como empregado, tem um dever fundamental: o dever de comunicação e boa-fé. A sua atitude no momento da falha é o que o protegerá de acusações de desídia ou negligência.

 

Comunique-se de Forma Rápida e Eficaz

No exato momento em que o problema ocorrer, utilize outros meios para avisar seu gestor imediato. Se a internet do computador caiu, use o 4G/5G do seu celular para mandar uma mensagem via WhatsApp ou e-mail. Se ficou sem energia e internet, faça uma ligação telefônica. Informe o que aconteceu, as providências que está tomando (ex: “já liguei para a operadora”) e peça orientação sobre como proceder.

 

Documente Tudo o que Puder

Sempre que possível, guarde provas da falha. Anote o número de protocolo do seu contato com a companhia de energia ou internet. Tire um “print” da página do provedor informando sobre a instabilidade na região. Essa documentação pode ser crucial caso a empresa tente aplicar uma punição indevida.

 

Quais Punições São Ilegais Nesse Contexto?

 

Se você comunicou a falha e ela ocorreu por motivos alheios à sua vontade, qualquer uma das seguintes punições é considerada ilegal e pode ser contestada na Justiça do Trabalho:

  • Desconto no Salário: É a punição mais comum e mais claramente ilegal. O tempo em que você ficou impossibilitado de trabalhar por falha técnica, mas permaneceu aguardando ordens, é considerado tempo à disposição do empregador e deve ser remunerado normalmente.
  • Advertências e Suspensões: Aplicar uma advertência verbal ou escrita por uma queda de internet é uma medida desproporcional e injustificável, servindo como prova de perseguição ou assédio em uma eventual ação judicial.
  • Demissão por Justa Causa: Seria uma medida extrema e com altíssima chance de reversão na justiça, a menos que a empresa consiga provar que o empregado agiu com má-fé, mentiu sobre o problema ou foi reiteradamente negligente.

 

Conclusão: Tecnologia Falha, Seus Direitos Não

O trabalho remoto trouxe novos desafios, mas não alterou as bases de proteção do trabalhador. A tecnologia é falível, e você não pode ser o para-raios da responsabilidade por problemas que estão fora do seu controle. O princípio de que o risco da atividade é do empregador continua sendo a viga mestra que sustenta a relação de emprego, seja ela presencial ou virtual.

Estar ciente dos seus direitos é o primeiro passo, mas saber como agir é o que realmente faz a diferença. Comunicar-se proativamente, documentar os fatos e não aceitar punições indevidas são atitudes essenciais. Contudo, se a empresa insistir em aplicar uma penalidade injusta, como um desconto salarial, a busca por orientação jurídica não é apenas uma opção, mas uma necessidade.

Se você está passando por essa situação, entre em contato pelo WhatsApp e fale diretamente com um advogado especializado. O primeiro passo para resolver seu problema começa com uma orientação segura.

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