Texto sobre Suzane Louise von Richthofen.
Essa tarefa foi incluída na minha agenda no início do ano e pretendia escrever sobre os aspectos relacionadas à herança dessa personagem que ganhou o centro das atenções ao protagonizar a história de um crime horrendo cometido contra seus pais em outubro de 2002.
Noventa e dois dias se passaram e o lembrete não foi apagado da agenda, nem cumprido, até que hoje, 02 de abril, domingo, me peguei a pensar os motivos para isso acontecesse: medo de não conseguir escrever algo bom, de ninguém gostar ou, todos esses escorados na justificativa que costumo dar para mim mesma de que não tenho tempo?
Estava sentada na grama do meu quintal refletindo sobre isso, após chegar da academia e dar uma ajeitada na casa. Olhei para o computador já posicionado na mesa da sala e pensei: seja como for esse texto vai sair.
Cá estou eu pesquisando os diversos processos existentes em nome de Suzane, alguns movidos por ela contra o Estado, Globo Comunicação E Participações S/A e Três Editorial LTDA requerendo indenização por danos morais, sem obter sucesso. Outros tantos recursos pretendendo inicialmente a revogação da prisão preventiva, depois a progressão de regime e até mesmo alguns propostos pela Prefeitura de São Paulo contra o irmão dela cobrando o pagamento de IPTU de imóveis em nome dele.
Estou pesquisando isso tudo, embora pretenda abordar um único assunto, porque essa sou eu: curiosa e um pouco investigadora. Acho que assisti a muitas séries de investigação e assisti mesmo – criminal minds, CSI e suas diferentes versões, The Black List etc.
Ok, agora vou focar no assunto. Suzane foi condenada a 39 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de homicídio qualificado por motivo torpe, uso de meio cruel e recurso que dificultou a defesa das vítimas, seus pais.
A família Von Richthofen pertencia a uma pequena parcela da sociedade com ótimas condições financeiras que permitiam residir em um bairro nobre da cidade de São Paulo e a ter uma vida estável em que possivelmente nada de ordem material faltou, seja relacionado a alimentação, saúde, vestimenta, educação, lazer etc.
Tudo isso não foi suficiente para Suzane que, insatisfeita com a vida que levava, resolveu planejar o assassinato de seus pais com objetivo de desfrutar do patrimônio por eles construído, se tornando independente não só financeiramente, mas emocional e psicologicamente também.
Possivelmente em algum momento você já ouviu falar sobre como os pais dela eram rigorosos, desaprovavam o relacionamento amoroso que ela mantinha e até mesmo soube dos rumores de que ela era abusada pelo pai.
E provavelmente, assim como eu, entende que nada disso seria suficiente para justificar o crime praticado por ela. Psicopatia, essa para mim é a única explicação plausível. E, sendo ela uma psicopata o adequado seria encaminhá-la ao manicômio judicial e não a um estabelecimento prisional que não ressocializa ninguém, muito menos uma pessoa doente.
A conclusão de que ela possui uma desordem mental não é uma mera ilação. Suzane foi posta em teste algumas vezes como requisito mínimo para análise de um dos vários pedidos de progressão do regime de prisão.
Psicólogos empregaram nela os recursos dos conhecidos Teste de Rorschach e Projetivo House-Tree-Person para se certificarem de que o pedido feito pela defesa era adequado e que ela não representava riscos à sociedade, contudo a equipe concluiu pela conveniência de sua manutenção no regime fechado.
Aposto que você ficou curioso para saber como são esses testes, por isso de forma resumida e leiga digo que o primeiro consiste na análise de uma pintura abstrata, já o segundo impõe o tema Casa, Árvore e Pessoa para que seja desenvolvido um desenho pelo paciente.
Pois bem, o plano de liberdade e independência objetivados por Suzane com a prática do homicídio contra os pais não foi alcançado. Ela até tentou mentir e por pouco tempo conseguiu enganar a todos chorando no enterro de seus pais pela morte causada supostamente por um roubo à residência. Coitada da menina órfã alguns diziam na época!
O inventário de Alfred e Marísia Von Richthofen foi iniciado pelo filho caçula do casal, Andreas, e distribuído em 02/12/2002, tendo tramitado na 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro de Santo Amaro na Capital do Estado de São Paulo.
Esse tipo de processo não tem segredo de justiça, mas na época em que foi iniciado tudo ainda tramitava de forma física, no papel mesmo e para ter acesso a tudo o que nele consta eu precisaria ir até o fórum para fotografar os autos.
Apesar de ser essa uma diligência que faria meu coração palpitar, não a farei por achar suficiente os andamentos processuais disponíveis para o que pretendo.
Vamos lá. Apesar de ter sido a mandante do crime, Suzane teve a pachorra de requerer no inventário (0069536-30.2002.8.26.0002) que o irmão fosse excluído do cargo de inventariante e ela inserida, mas a Juíza assim decidiu sobre o esdruxulo pedido:
Indefiro. Por óbvio, não se justifica a remoção do inventariante que atualmente ocupa o cargo. Causa até mesmo surpresa a intenção da peticionaria de ser nomeada inventariante dos bens deixados por seus genitores, já que está em trâmite ação para excluí-la da herança por indignidade, além de figurar como ré em ação criminal onde se apura a morte de seus genitores.
Em setembro de 2006, ao perceber que sua batata estava assando, acredito eu, Suzane resolveu manifestar nos autos um pedido de renúncia à herança. Teria sido o pedido motivado por orgulho? Ela ainda queria sair por cima? Renunciar ao patrimônio ao invés de ser considerada indigna?
Aparentemente ela se arrependeu do pedido e digo isso em virtude de uma decisão proferida em maio de 2007:
1-Mais uma vez não se compreende a razão da insurgência da herdeira contra as primeiras e últimas declarações, inclusive já aprovadas judicialmente, e recolhidos os impostos devidos, se sua intenção é formalizar o ato de desistência da herança, como peticionou expressamente nos autos às fls. 1530, pedido este homologado judicialmente às fls. 1535. Nova petição da herdeira, juntada às fls. 1641, reitera dizeres de que formalizará a desistência, porém opõe fatos outros, indiretos, relacionados aos seus bens pessoais, para adiar a assinatura do termo judicial próprio. A herdeira Suzane reitera, mais uma vez, que a demora para a conclusão do presente feito somente interessa a seu irmão Andreas e, por tal motivo, imputa a ele dificuldades relacionadas, como dito, à identificação e liberação tão somente de seus exclusivos bens pessoais. Não há, portanto, motivo para se impedir a liberação dos bens da herança, no que concerne à parte do herdeiro, não contestados.
Por meio da leitura dessa publicação entendi por que ela resolveu renunciar a herança tão facilmente. Suzane possuía, na época, patrimônio particular, ou seja, só dela, estimado em R$ 1.086.511,11! Ela quem fez toda essa grana? Provavelmente não. Possivelmente os pais, aparentemente inteligentes, procuraram bons advogados para proceder a um robusto e adequado planejamento patrimonial, incluindo bens em nome da filha.
Em junho de 2008, Suzane é advertida pelo Juízo, em razão de tentar, por sua conduta, tumultuar o processo e impedir o seu regular prosseguimento.
1-A herdeira Suzane von Richthofen, mais uma vez – diferentemente do que diz querer fazer valer ? volta a demonstrar inequívoca postura tendente a tumultuar o presente feito, invertendo valores e argumentos para, em última análise, dissimular seu intuito de procrastinar e adiar o desfecho decorrente do inventário de seus finados pais, em flagrante prejuízo para seu irmão, e também herdeiro, Andreas Albert von Richthfen. Em outras oportunidades este Juízo já advertiu a herdeira sobre as consequências advindas da litigância de má-fé e, agora, renova tal advertência, cumulada com nova, agora decorrente da prática de ato atentatório à dignidade da Justiça, pois não se pode acreditar que esteja postulando, novamente, a desconsideração e a reapreciação de incidentes já decididos por este Juízo, e que inclusive foram, alguns deles, objeto de recurso específico, não obtendo desate, em nossos Eg. Tribunais, que alterasse ou suspendesse o que até agora restou determinado nestes autos. A decisão judicial para liberação de parte menor dos bens da herança ao filho do casal falecido já foi objeto de recurso por parte da filha e tal recurso não foi conhecido pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme claramente se depreende do V. Acórdão de fls. 1746/1747 e, portanto, deve assim ser cumprido, nada mais restando, no momento, a tal respeito, que ser aqui reapreciado; 2-Indique a herdeira, portanto, quanto aos alegados demais anteriores pedidos ainda não decididos por este Juízo, em que folhas dos autos se encontram pois, em seus petitórios, há referência genérica aos mesmos, o que indicaria, mais uma vez, a confirmação da já mencionada litigância de má-fé, o que certamente será apreciada ao final do feito.
Mas em outubro de 2014 o inventário finalmente foi encerrado levando-se em conta a exclusão de Suzane por indignidade, declarada por sentença no processo (Processo nº 0001155-33.2003.8.26.0002, em segredo de justiça) iniciado pelo irmão para esse fim.
Neste caso não é difícil entender o motivo pelo qual Suzane, a herdeira, foi considerada indigna, mas vou inserir abaixo o texto do artigo 1.814 do Código Civil que trata da possibilidade de deserdação.
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Contudo, não são só essas as hipóteses legais previstas para a deserdação. Há um capítulo no Código Civil dedicado a outras situações em que o procedimento se torna viável, tais como: ofensa física e injúria grave. Vejamos o artigo:
CAPÍTULO X
Da Deserdação
Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV – desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em testamento.
Art. 1.965. Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador.
Parágrafo único. O direito de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de quatro anos, a contar da data da abertura do testamento.
Assim, temos que, muito embora seja legítimo herdeiro, pode alguém vir a ser excluído da sucessão, seja ela testamentária ou legítima, se ficar comprovada a prática de qualquer uma das ações indicadas nos artigos acima colacionados.
Esse procedimento pode ser realizado por meio de testamento público, com requisitos prescritos também pelo Código Civil, no artigo 1.864, abaixo transcrito:
Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:
I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;
II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
Art. 1.865. Se o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias.
Art. 1.866. O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento, e, se não o souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas.
Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.
Maria Berenice Dias, uma jurista com forte atuação no âmbito do Direito das Famílias e Sucessões afirma que:
Os pressupostos da deserdação são: (a) existência de herdeiros necessários; (b) testamento válido; e (c) declaração de causa. Como a deserdação dispõe de caráter excepcional, para evitar posturas vingativas e acarretar injustiças, a simples declaração de vontade do testador de deserdar não basta. Só em testamento se pode deserdar, sendo inidôneo outro instrumento; não serve nem escritura pública. Há mais uma exigência: além da indicação dos motivos, é necessária posterior comprovação judicial de que a causa integra o rol constante da lei (CC 1.961 a 1.963).
Após a manifestação formal da vontade por meio de testamento público, é necessário ajuizar uma Ação de Deserdação para que o herdeiro possa se defender e, ao final, se o caso, a deserdação seja homologada judicialmente.
Assim, tomemos como exemplo um caso real em que a irmã iniciou uma Ação de Deserdação contra seu irmão, indicando a existência de testamento deixado pela mãe de ambos, onde ficou manifestado o desejo de deserdação do filho por deixá-la desamparada quando mais precisava.
Consta dos autos que a mãe possuía um salão de beleza, do qual tirava o seu sustento, até que em certo momento descobriu um câncer que a impediu de trabalhar, motivo pelo qual teve de se socorrer dos filhos.
No entanto, foi necessário ajuizar ação de alimentos contra o filho (o deserdado) que na contestação preferiu adotar uma conduta de ataque à índole da mãe a fazer qualquer acordo com ela.
Consta dos autos que os rendimentos dele alcançavam o patamar dos 58 mil reais mensais, o que fez com que o Juízo entendesse que a sua recusa em amparar financeiramente a mãe eram juridicamente inaceitáveis, por isso a ação de deserdação foi julgada procedente para declarar o dito cujo deserdado.
É claro, eu sei, existem mães e mães. Não sabemos o que essa mãe fez para que o filho adotasse essa conduta que, a meu ver, contraria todos os princípios de humanidade e dignidade. Mas eu, Priscila Casimiro Ribeiro Garcia, não desampararia ninguém, ainda mais meus pais, seja lá o que eles tivessem feito, porque ajudar ou não está afeito a quem EU sou e não eles.
De toda forma, essa sou eu e esse era o texto que eu queria escrever. Agora posso dar essa tarefa como concluída. Que sensação boa!!
O texto ficou incrível. A riqueza de detalhes (de quem sabe oque tá dizendo claro) está impressionante. Já sou fã. Parabéns
Aprendiz de Gilberto Dimentain. Com forte vocação ao jornalismo me orgulha ve-la a tecer linhas e escritos a respeito de caso de tão grande repercussão e relevância. Hoje liberta está a ré do homicídio. Nossa lei penal e branda graças a execução da pena em progressão de regimes de prisão. Acredito que será alvo de ainda outras incurdies da criminologia forense. É possível sim escrever livros sobre o tema.
O seu comentário está aguardando moderação.
Aprendiz de Gilberto Dimenstain. Com forte vocação ao jornalismo.Me orgulha ve-la a tecer linhas e escritos. Ainda mais a respeito de caso de tão grande repercussão e relevância. Hoje liberta está a ré do homicídio e também os demais autores.Nossa lei penal é branda graças a execução da pena em progressã, ainda mais no uso de regimes de prisão. Acredito que será alvo de ainda outras incursões da criminologia forense. É possível sim, escrever livros sobre o tema. Me recordei de outro, cujo persogem era o infrator Champinha” quiçá surja um artigo a respeito