Uma pessoa entregando as chaves de um imóvel para um representante da construtora, simbolizando o ato do distrato imobiliário e a devolução do imóvel comprado na planta.

A compra de um imóvel na planta representa, para muitas famílias, a realização de um sonho. É o projeto de uma vida nova, planejado com cuidado e, muitas vezes, com grande sacrifício financeiro. Contudo, a vida é dinâmica e imprevistos acontecem. Uma mudança no cenário financeiro pessoal, a perda de um emprego ou até mesmo questões familiares podem transformar o sonho em uma grande preocupação. Diante desse impasse, surge a pergunta inevitável: é possível desistir do negócio e devolver o imóvel comprado direto com a construtora? A resposta é sim. Este é um direito do consumidor, conhecido no mundo jurídico como distrato imobiliário. No entanto, o processo não é isento de regras e implicações financeiras importantes. Este artigo foi elaborado para ser um guia completo sobre o tema, explicando seus direitos, os deveres da construtora e os cuidados que você deve tomar ao tomar essa difícil decisão.

O Distrato Imobiliário: Um Direito do Consumidor

Primeiramente, é fundamental que você saiba: ninguém é obrigado a permanecer em um contrato que não tem mais condições ou interesse em manter. O direito de desistir da compra de um imóvel na planta é garantido pelo Código de Defesa do Consumidor e foi detalhadamente regulamentado pela Lei nº 13.786/2018, conhecida como a “Lei do Distrato”.

Essa legislação trouxe mais clareza e segurança jurídica tanto para os compradores quanto para as construtoras, estabelecendo regras específicas sobre as multas e a devolução dos valores pagos. Portanto, a questão não é se você pode devolver o imóvel, mas sim como isso será feito e quais serão as consequências financeiras dessa decisão. A forma como o distrato ocorre depende fundamentalmente de quem deu causa ao fim do contrato.

 

Cenário 1: A Desistência por Iniciativa do Comprador

Este é o cenário mais comum. O comprador, por razões pessoais (dificuldade em pagar as parcelas, arrependimento, etc.), decide que não quer ou não pode mais continuar com o negócio. Mesmo que o contrato tenha cláusulas de “irrevogabilidade” ou “irretratabilidade”, a Justiça entende que elas não podem impedir o seu direito de desistir.

Nessa situação, a Lei do Distrato estabelece o seguinte:

  • Direito à Restituição de Valores: O comprador tem o direito de receber de volta parte do que pagou. A construtora não pode, em hipótese alguma, reter 100% dos valores.
  • Multa Contratual (Pena Convencional): A construtora poderá reter uma parte do valor pago a título de multa para cobrir despesas administrativas e de publicidade. A lei fixou um teto para essa multa: até 25% dos valores já pagos pelo comprador. É crucial verificar se o seu contrato prevê uma multa superior a isso, pois ela pode ser considerada abusiva e, consequentemente, ser reduzida na Justiça.
  • Empreendimentos com Patrimônio de Afetação: Se o imóvel fizer parte de um empreendimento sob o regime do patrimônio de afetação (uma segurança extra para os compradores, onde o dinheiro daquela obra fica separado do patrimônio geral da construtora), a multa pode chegar a até 50% dos valores pagos. A maioria dos novos empreendimentos adota esse regime, então é vital verificar essa informação no seu contrato.
  • Prazo para Devolução: A construtora deve devolver os valores em parcela única, no prazo de até 180 dias (6 meses) corridos, contados da data do distrato, caso o empreendimento esteja sujeito ao regime de afetação. Para os demais casos, o prazo é de até 30 dias após a emissão do “Habite-se” ou da revenda da unidade.

 

Cenário 2: O Distrato por Culpa da Construtora

A situação muda completamente de figura quando a rescisão do contrato ocorre por culpa exclusiva da construtora. O motivo mais recorrente é o atraso na entrega da obra, extrapolando o prazo de tolerância de 180 dias previsto em contrato.

Se a construtora falhar em suas obrigações, o comprador tem o direito de solicitar o distrato e as condições são muito mais favoráveis:

  • Restituição Integral dos Valores: O comprador tem o direito de receber de volta 100% de tudo o que pagou, sem qualquer tipo de retenção ou multa.
  • Correção Monetária: Todos os valores devolvidos devem ser corrigidos monetariamente a partir da data de cada pagamento efetuado.
  • Prazo para Devolução: O pagamento deve ser feito em parcela única, no prazo de até 60 dias corridos a contar da data da rescisão do contrato.

Além do atraso na entrega, outras falhas da construtora que podem justificar o distrato com restituição integral incluem problemas graves na estrutura do imóvel, divergências significativas entre o projeto apresentado e o imóvel entregue, ou a não regularização da documentação do empreendimento.

 

Como Proceder para Solicitar o Distrato?

  1. Notifique a Construtora: O primeiro passo é comunicar formalmente à construtora sua decisão de rescindir o contrato. Faça isso por um meio que gere um comprovante, como um e-mail com aviso de recebimento ou uma carta registrada.
  2. Analise a Proposta de Distrato: A construtora apresentará um “termo de distrato” com os valores a serem devolvidos e as condições de pagamento. Tenha muito cuidado nesta fase! Muitas vezes, as construtoras apresentam cálculos com multas abusivas ou propõem devoluções parceladas, contrariando a lei.
  3. Não Assine se Tiver Dúvidas: Se você discordar dos termos apresentados, não assine o documento. A assinatura de um acordo desvantajoso pode dificultar uma futura reclamação na Justiça.
  4. Busque Orientação Jurídica: Antes de tomar qualquer decisão, é altamente recomendável procurar um advogado especialista em Direito Imobiliário. Ele poderá analisar seu contrato, verificar a legalidade das cláusulas, calcular corretamente os valores a serem restituídos e negociar com a construtora em uma posição de igualdade. Se um acordo amigável não for possível, ele poderá ingressar com uma ação judicial para garantir seus direitos.

 

Uma Decisão que Exige Cautela e Conhecimento

Devolver um imóvel comprado na planta é, sem dúvida, um direito seu como consumidor. A Lei do Distrato veio para equilibrar a relação com as construtoras, mas ainda existem muitas armadilhas em contratos e propostas de acordo. Entender a diferença entre a desistência por sua iniciativa e a rescisão por culpa da construtora é o ponto chave para saber o que esperar financeiramente.

A decisão de um distrato impacta diretamente seu patrimônio e seus planos futuros. Por isso, agir com informação e cautela é fundamental. Não hesite em buscar o auxílio de um profissional qualificado. Um advogado especialista não é um custo, mas um investimento para garantir que seus direitos sejam plenamente respeitados e que você não sofra prejuízos indevidos em um momento já tão delicado.

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