Lidar com a perda de um ente querido é um processo intrinsecamente doloroso. Quando esse evento resulta em uma herança destinada a um menor de idade, ao luto soma-se uma camada complexa de responsabilidades jurídicas e burocráticas. A dúvida é imediata e crucial: a criança ou o adolescente é agora proprietário de imóveis, veículos ou valores, mas quem, de fato, pode gerir esse patrimônio?
A lei brasileira estabelece mecanismos rígidos para essa situação, visando um objetivo principal: a proteção integral do patrimônio do incapaz. O menor é o dono, mas não possui capacidade civil plena para exercer atos de administração, como vender, alugar ou movimentar contas.
Muitos acreditam que a resposta é simples – o genitor sobrevivente assume tudo. Contudo, o Direito Sucessório e de Família revela que essa administração não é absoluta. Existem limites, responsabilidades e, em muitos casos, a necessidade de supervisão judicial. Como especialistas em planejamento patrimonial e sucessório, detalharemos quem administra a herança do menor e quais são as regras do jogo.
A Distinção Essencial: Propriedade vs. Administração
Para entender o tema, o primeiro passo é diferenciar dois conceitos jurídicos: propriedade e administração.
Quando o inventário (judicial ou extrajudicial) é concluído e o formal de partilha é registrado, o menor de idade torna-se o proprietário legal dos bens que lhe couberam. Isso é indiscutível.
Porém, o Código Civil, em seus artigos 3º e 4º, define que os menores de 16 anos são “absolutamente incapazes” de exercer pessoalmente os atos da vida civil, e os maiores de 16 e menores de 18 são “relativamente incapazes”. Na prática, eles não podem assinar um contrato de aluguel ou uma escritura de venda.
Surge, então, a necessidade de um administrador. A lei preenche essa lacuna através de dois institutos principais: o Poder Familiar e a Tutela.
O Poder Familiar: A Regra Geral do Genitor Sobrevivente
Na vasta maioria dos casos, a administração dos bens herdados pelo menor caberá ao genitor que sobreviveu. Se o pai falece, a mãe assume essa gestão; se a mãe falece, o pai assume.
Isso ocorre porque a administração dos bens dos filhos é um dos deveres inerentes ao Poder Familiar (Art. 1.689 do Código Civil). Esse poder, que pertence a ambos os pais, não se extingue com o divórcio e só cessa com a morte de um deles, concentrando-se no outro.
O Ponto-Chave: A Administração Inclui o Usufruto
Aqui reside um dos pontos jurídicos mais relevantes e muitas vezes incompreendidos. O Código Civil (Art. 1.689, I) concede aos pais, no exercício do poder familiar, não apenas a administração, mas também o usufruto dos bens dos filhos.
O que isso significa na prática? Significa que o genitor sobrevivente (ex: a mãe) não só administra o imóvel que o filho herdou do pai falecido, como também tem o direito de usufruir dos “frutos” desse bem. Por exemplo, ela pode alugar o imóvel e utilizar o valor do aluguel para o sustento da família ou para si própria, não sendo obrigada a depositar esse valor em uma conta exclusiva para o filho.
Essa regra, embora controversa para alguns, parte da presunção legal de que os pais já arcam com o sustento dos filhos e que esses frutos auxiliarão na manutenção da entidade familiar.
E se Ambos os Pais Falelecerem? A Figura da Tutela
O cenário muda completamente se o menor herda, mas é órfão de pai e mãe (ou se ambos foram destituídos do poder familiar). O Poder Familiar extingue-se, e a lei exige que o menor seja colocado sob Tutela.
O tutor é a pessoa nomeada judicialmente para proteger o menor e administrar seu patrimônio. A nomeação segue uma ordem:
- Tutela Testamentária: Os pais podem, em testamento, nomear um tutor para o filho.
- Tutela Legítima: Na falta de nomeação, o juiz busca os parentes consanguíneos, geralmente os avós e, na falta destes, os irmãos maiores.
- Tutela Dativa: Se não houver parentes aptos, o juiz nomeia uma pessoa idônea de fora da família.
O tutor é o administrador legal da herança. Contudo, há uma diferença crucial em relação ao Poder Familiar: o tutor não tem direito ao usufruto dos bens. Os aluguéis e rendimentos do patrimônio pertencem integralmente ao menor, e o tutor deve prestar contas rigorosas à Justiça sobre como esse dinheiro está sendo gerido.
Os Limites da Administração: O que o Administrador NÃO Pode Fazer
Seja o genitor (com poder familiar) ou o tutor, o administrador não é o dono. Ele é um gestor que deve zelar pela integridade do patrimônio. A lei impõe travas de segurança para evitar que a herança do menor seja dilapidada.
A principal trava é a proibição de alienação (venda) ou oneração (hipoteca, penhor) dos bens do menor sem prévia autorização judicial.
A Venda de Bens do Menor: Somente com Alvará Judicial
Este é, talvez, o ponto de maior relevância prática. Se o menor herdou um imóvel, o genitor sobrevivente não pode simplesmente vendê-lo, mesmo que tenha boas intenções.
Para realizar a venda, é obrigatório ingressar com uma Ação de Alvará Judicial para Venda de Bem de Incapaz. Neste processo, o administrador (pai, mãe ou tutor) deverá comprovar ao juiz e ao Ministério Público, que atua como fiscal da lei, uma de duas coisas:
- Evidente Necessidade: A venda é essencial para cobrir custos urgentes do menor, como um tratamento de saúde complexo ou despesas educacionais que não podem ser supridas de outra forma.
- Manifesta Vantagem: A venda trará um benefício claro ao patrimônio do menor. Exemplos: vender um imóvel antigo e de alta manutenção para comprar um novo; vender um terreno sem liquidez para aplicar o dinheiro em um investimento seguro e rentável.
Se o juiz autorizar a venda, o valor obtido é, por regra, depositado em uma conta judicial vinculada ao processo e ao menor. O administrador só poderá movimentar esse dinheiro mediante nova autorização judicial, provando sua destinação, garantindo que o patrimônio apenas mudou de forma (de imóvel para dinheiro), mas não foi consumido.
Exceções: O Testador Pode Excluir o Genitor da Administração?
Sim. O Art. 1.693 do Código Civil traz exceções expressas ao poder de administração (e usufruto) dos pais.
A mais significativa é quando o menor recebe a herança por testamento (ou doação), e o testador (ex: um avô) determina expressamente que aqueles bens específicos não serão administrados pelo pai ou pela mãe da criança.
Isso pode ocorrer se o avô, por exemplo, não confiar na capacidade de gestão do seu genro ou nora. Nesse caso, o próprio testador pode indicar um administrador especial para aqueles bens ou, se não o fizer, o juiz nomeará um tutor especial apenas para aquele patrimônio.
Proteção Patrimonial Exige Assessoria Jurídica
A herança destinada a um menor de idade é um patrimônio protegido por um complexo sistema de freios e contrapesos legais. Embora a administração, na maioria dos casos, caiba ao genitor sobrevivente, esse direito não é um cheque em branco.
O administrador é, acima de tudo, um guardião legal dos interesses do menor. A confusão entre o usufruto (permitido aos pais) e a dilapidação do patrimônio principal (proibida) é comum. Além disso, a venda de qualquer bem herdado, seja um carro ou um apartamento, exige um processo judicial específico (Alvará Judicial) e rigorosamente fiscalizado pelo Ministério Público.
Tentar realizar o inventário ou gerir esses bens sem a correta orientação jurídica pode levar à nulidade de atos (como uma venda feita por contrato de gaveta) e até à responsabilização civil do administrador por má gestão.
Nosso escritório é especializado em Direito de Família, com vasta experiência em inventários que envolvem herdeiros menores de idade. Compreendemos a sensibilidade do momento de luto e a necessidade de proteger o futuro do menor.
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