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Trabalho em mercado ou loja pequena e não recebo hora extra. É possível cobrar?

Funcionário de pequeno mercado organizando prateleiras tarde da noite, ilustrando trabalho excessivo e dúvidas sobre horas extras.

A rotina de quem trabalha no comércio — seja em um minimercado de bairro, uma loja de roupas ou uma franquia pequena — costuma ser exaustiva. É comum que o funcionário chegue antes de abrir para limpar e organizar, e saia muito depois de fechar para contar o caixa ou repor mercadorias. O problema surge quando essa dedicação extra não aparece no contracheque no final do mês.

Muitos empregadores de pequenos estabelecimentos utilizam o argumento de que “aqui somos uma família” ou alegam que, por ser uma empresa pequena, as regras rígidas da CLT não se aplicam da mesma forma. Isso é um mito.

Se você trabalha além da sua jornada contratada e não recebe por isso, ou se o pagamento é feito “por fora” e de forma incorreta, saiba que a legislação trabalhista brasileira protege o seu tempo e o seu esforço. Neste artigo, vamos explicar como funcionam as horas extras em pequenos comércios, como provar o trabalho excessivo e quais são os seus direitos.

A Regra Geral: Tamanho da Empresa Não Anula Direitos

O primeiro ponto que precisa ficar claro é: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vale tanto para grandes multinacionais quanto para a mercearia da esquina. O fato de o empregador ter poucos funcionários ou faturamento menor não lhe dá o direito de explorar a mão de obra sem a devida contraprestação financeira.

A jornada de trabalho padrão no Brasil é de 8 horas diárias e 44 horas semanais. Tudo o que excede esse limite deve ser pago como hora extra, com um adicional de, no mínimo, 50% sobre o valor da hora normal (podendo ser maior dependendo da Convenção Coletiva da sua categoria).

O Desafio do Controle de Ponto em Pequenas Lojas

Aqui reside a maior dúvida e o maior ponto de conflito. A lei determina que apenas empresas com mais de 20 funcionários são obrigadas a manter um registro formal de ponto (eletrônico, mecânico ou manual).

Muitos donos de mercados pequenos e lojas de bairro (que geralmente têm menos de 20 empregados) usam essa regra para dizer: “Não preciso marcar ponto, então não preciso pagar hora extra”. Isso é um erro jurídico grave.

A desobrigatoriedade de registrar o ponto não significa a desobrigatoriedade de pagar pelo trabalho extra. Se você trabalhou, você deve receber. A diferença está apenas em como provar esse trabalho perante a Justiça do Trabalho, caso seja necessário.

Situações Comuns de Horas Extras “Invisíveis”

No dia a dia do comércio em cidades movimentadas como São Paulo, observamos situações recorrentes que geram passivos trabalhistas e que o trabalhador muitas vezes não percebe que são irregulares:

  1. Chegar mais cedo e sair mais tarde: Se você é obrigado a chegar 30 minutos antes para abrir a loja, vestir uniforme ou limpar o salão, isso é tempo à disposição do empregador e deve ser pago. O mesmo vale para o fechamento de caixa após baixar as portas.

  2. Intervalo de almoço reduzido: Se você tem direito a 1 hora de almoço, mas o patrão pede para você comer em 15 minutos e voltar para o balcão, esses 45 minutos suprimidos devem ser pagos como hora extra indenizatória.

  3. Trabalho em feriados não compensados: Trabalhar em feriados sem a devida folga compensatória ou pagamento em dobro é uma irregularidade frequente no comércio.

  4. O falso “Gerente”: Para não pagar horas extras, o dono da loja promove o vendedor a “Gerente”, mas não dá a ele poderes reais de gestão (como contratar, demitir ou assinar cheques) e nem paga o adicional de 40% de gratificação de função. Se você é um “gerente” que apenas cumpre ordens e bate cartão (ou cumpre horário fixo), você provavelmente tem direito às horas extras.

Como Provar as Horas Extras Sem Cartão de Ponto?

Se a loja onde você trabalha tem menos de 20 funcionários e não marca ponto, você pode se perguntar: “Como vou provar que fiquei até mais tarde?”.

No Direito do Trabalho, vige o princípio da primazia da realidade. Isso significa que o que acontece na prática vale mais do que o que está (ou não está) no papel. Para cobrar esses valores judicialmente, é fundamental reunir meios de prova. Em nossa atuação jurídica na região de São Paulo, recomendamos atenção aos seguintes itens:

Riscos e Prazos: O Que Você Precisa Saber Antes de Agir

É importante agir com cautela e estratégia. O trabalhador tem o direito de cobrar os últimos 5 anos de trabalho. Se você demorar muito, perderá o direito de receber pelos anos mais antigos (prescrição quinquenal). Além disso, após sair da empresa, você tem apenas 2 anos para entrar com a ação trabalhista.

Cobrar horas extras não pagas não é “processar por vingança”; é buscar a reparação de um direito alimentar. As horas extras integram o cálculo de outras verbas, como férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS. Ou seja, ao não receber as horas extras, você está recebendo menos em todas as outras verbas.

Um ponto de atenção é o acordo informal. Muitos patrões oferecem “folgas” em troca das horas, o famoso banco de horas. Porém, para ser válido, o banco de horas precisa estar previsto em contrato ou acordo coletivo e seguir regras rígidas. O “acordo de boca” costuma ser nulo perante a Justiça.

Mini-FAQ: Dúvidas Sobre Horas Extras no Comércio

1. Minha carteira não é assinada. Posso cobrar horas extras? Sim. A falta de registro na carteira (trabalho informal) não retira seus direitos. Pelo contrário, você pode pedir na justiça o reconhecimento do vínculo empregatício e, consequentemente, o pagamento de todas as horas extras e demais verbas retroativas.

2. O patrão diz que pago as horas “bancando” dias que faltei. Isso pode? Apenas se houver um acordo de compensação de jornada ou banco de horas formalizado e regular. Compensações aleatórias e sem controle transparente (“hoje você fica até mais tarde, semana que vem sai mais cedo”) são, via de regra, irregulares.

3. Sou obrigado a fazer hora extra se o patrão pedir? Em regra, a hora extra é opcional. No entanto, o contrato de trabalho ou acordo coletivo pode prever a obrigatoriedade em casos de força maior ou necessidade imperiosa. Contudo, existe um limite legal de 2 horas extras por dia. Exigir mais que isso habitualmente é ilegal.

4. Trabalho em mercado e não recebo adicional noturno. Está certo? Se a sua jornada se estende para depois das 22h, você tem direito ao adicional noturno (no mínimo 20% sobre a hora normal) e à hora reduzida noturna. Se isso não é pago, pode ser cobrado judicialmente.

Conclusão

Trabalhar em um mercado ou loja pequena não significa ter menos direitos do que quem trabalha em uma grande corporação. A legislação trabalhista visa proteger a saúde e o tempo de convívio social do trabalhador, evitando jornadas exaustivas e não remuneradas.

Sabemos que enfrentar o empregador, especialmente em estabelecimentos menores onde a relação é próxima, é uma decisão difícil. No entanto, o acúmulo de horas não pagas representa um prejuízo financeiro significativo ao longo dos anos, impactando diretamente sua qualidade de vida e de sua família.

Cada caso possui detalhes específicos: a existência de câmeras na loja, o tipo de função exercida (caixa, estoquista, gerente), as conversas de WhatsApp trocadas. Tudo isso influencia na viabilidade de uma reclamação trabalhista.

Se você acredita que está trabalhando de graça ou que seu banco de horas está irregular, o ideal é não confrontar o empregador sem antes estar munido de informação técnica. Nossa equipe está à disposição para realizar uma análise detalhada do seu caso, calculando o que pode ser devido e orientando sobre a melhor forma de proteger seus direitos.

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