Ícone do site Casimiro Ribeiro Garcia Advocacia

Multiparentalidade e herança: quem tem direito aos bens do filho?

família com mais de dois pais/mães (multiparentalidade) discutindo documentos de herança e divisão de bens, simbolizando o desafio do direito sucessório na família contemporânea.

Em um mundo onde as configurações familiares evoluem de maneira constante e célere, o Direito de Família e, consequentemente, o Direito Sucessório, são desafiados a acompanhar essa nova realidade. Antigas certezas jurídicas, baseadas exclusivamente na biologia, dão lugar a um reconhecimento mais amplo e profundo dos vínculos afetivos que, de fato, estruturam a vida de uma pessoa. Dentre as transformações mais significativas, destaca-se o instituto da multiparentalidade.

Afinal, se uma pessoa pode ter mais de um pai ou mais de uma mãe registrados em sua certidão de nascimento, o que acontece com a herança quando esse filho falece? Como a lei brasileira trata a divisão de bens em um cenário com três ou mais genitores? Esta é uma questão de imensa relevância prática e jurídica, que toca diretamente o patrimônio familiar e a dignidade de todos os envolvidos.

Se você possui um vínculo multiparental reconhecido, está envolvido em um inventário nessa condição ou simplesmente busca compreender as nuances desse tema crucial do Direito Sucessório, este artigo fornecerá o panorama completo e a orientação necessária para navegar por essa complexa interseção entre afeto, biologia e patrimônio. Acompanhe a leitura para desvendar todos os aspectos legais e práticos.

 

O Que é Multiparentalidade e Seus Efeitos no Ordenamento Jurídico

Para começar, é fundamental conceituar a multiparentalidade. Trata-se do reconhecimento jurídico da coexistência de múltiplos vínculos de filiação – seja biológico, seja socioafetivo – simultaneamente. Em outras palavras, a pessoa possui, oficialmente em seu registro civil, mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Esse reconhecimento foi consolidado no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 622, que estabeleceu a tese de que a paternidade socioafetiva não impede o reconhecimento do vínculo de filiação biológica concomitante.

A base desse entendimento reside no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e no Princípio da Afetividade, que valorizam a realidade familiar vivenciada, superando a antiga primazia da filiação meramente biológica.

Importante: o reconhecimento da multiparentalidade não é um mero formalismo; ele gera todos os efeitos jurídicos de uma filiação tradicional, incluindo, e este é o ponto central do nosso artigo, os efeitos sucessórios. A Constituição Federal, em seu artigo 227, §6º, proíbe qualquer discriminação ou hierarquia entre os filhos, o que abrange expressamente a igualdade de direitos na sucessão, independentemente da origem do vínculo (biológico ou afetivo).

 

O Filho Multiparental como Herdeiro: Não Há Distinção

Quando o filho multiparental é o herdeiro de um de seus genitores (pai ou mãe), a regra é clara e consolidada: ele herda em igualdade de condições com qualquer outro filho. Isso significa que, se o genitor falecido deixar o filho multiparental e outros filhos (sejam eles biológicos, adotivos ou socioafetivos), a herança será dividida igualmente entre todos os descendentes. Não importa se ele tem dois, três ou até mais pais ou mães; ele é herdeiro de todos eles e a parte que lhe cabe não sofre alteração. O foco aqui é o princípio da isonomia entre os descendentes.

 

A Questão Central: A Sucessão do Filho para os Genitores (Ascendentes)

O maior desafio jurídico e o cerne da dúvida que motiva a maioria das buscas por esse tema surgem quando o filho multiparental é quem falece sem deixar descendentes (filhos) e sem deixar cônjuge ou companheiro. Nesses casos, a lei estabelece que a herança deve ser transmitida aos ascendentes, ou seja, aos pais, avós, bisavós, etc., conforme a ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1.829 do Código Civil.

Quando se trata de uma família tradicional (dois pais), o Código Civil é direto: “Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna” (Art. 1.836, § 2º). Isso significa que, se os dois pais estivessem vivos, cada “linha” (paterna e materna) receberia 50% da herança, e dentro de cada linha a divisão seria feita.

 

A Solução para a Sucessão dos Ascendentes na Multiparentalidade

O Direito Sucessório Brasileiro, construído historicamente com base na dualidade de linhas (paterna e materna), não previa a hipótese de três ou mais genitores (duas linhas paternas e uma materna, por exemplo, ou vice-versa). Diante desse vácuo legal, a doutrina e a jurisprudência têm se inclinado para a aplicação do princípio da igualdade e da não hierarquização dos vínculos.

A tese mais aceita e que melhor se alinha com o espírito da multiparentalidade sugere o seguinte:

  1. Herança Dividida Proporcionalmente: Se o de cujus (filho falecido) não deixar descendentes nem cônjuge/companheiro, a herança será destinada integralmente aos seus ascendentes (pais e/ou avós).
  2. Partilha Igualitária entre os Genitores: A parte da herança destinada aos pais (ascendentes de primeiro grau) deve ser dividida em quotas iguais entre todos os genitores vivos, independentemente de o vínculo ser biológico ou socioafetivo.
  3. Superação da Regra das Duas Linhas: O critério de divisão por “linha paterna” e “linha materna” (50% para cada) é flexibilizado ou até mesmo superado no primeiro grau (pais), aplicando-se a divisão equânime entre os três ou mais genitores registrados.

Exemplo Prático: Se o filho multiparental falecer, deixando um pai biológico (P1), uma mãe biológica (M1) e um pai socioafetivo (P2), a herança será dividida em três partes iguais (1/3 para P1, 1/3 para M1 e 1/3 para P2), se todos estiverem vivos.

 

Os Reflexos na Sucessão dos Avós

Se os pais do falecido forem pré-mortos ou a herança se estender aos avós (ascendentes de segundo grau), a complexidade aumenta. Contudo, o raciocínio deve ser o mesmo: a igualdade e a proporcionalidade. No caso dos avós, a herança não deverá ser rigidamente dividida apenas por duas linhas. O mais coerente é que a quota-parte da herança que caberia ao genitor pré-morto seja distribuída aos seus respectivos ascendentes (os avós), mantendo a proporcionalidade e a igualdade entre todos os avós de mesmo grau, sem que haja uma dupla penalização dos avós por conta do vínculo afetivo/biológico original.

 

O Planejamento Sucessório como Ferramenta de Segurança

Diante das novidades e das complexidades interpretativas que a multiparentalidade traz ao campo do Direito Sucessório, o Planejamento Sucessório se torna um instrumento jurídico de valor inestimável.

Por meio de um testamento bem elaborado, o filho multiparental pode dispor de sua parte disponível da herança (50% do total) para beneficiar ou especificar a parte de um ou mais genitores, evitando assim futuras disputas e garantindo que sua vontade seja plenamente respeitada. Embora a legítima (os 50% reservados aos herdeiros necessários) deva ser respeitada e dividida igualmente entre os herdeiros da classe mais próxima (neste caso, os pais, em partes iguais), o testamento oferece a segurança e a clareza que o inventário, por si só, pode não ter em casos tão inovadores. Portanto, consultar um especialista para a criação de um Planejamento Sucessório é a forma mais eficaz de blindar o patrimônio e proteger os vínculos familiares.

 

Busque Segurança Jurídica para a Nova Família

A multiparentalidade é um avanço social e jurídico que celebra o afeto, mas que impõe novos desafios ao Direito Sucessório. A regra essencial é a igualdade de direitos entre todos os pais e mães devidamente registrados na certidão do filho, o que se traduz na divisão proporcional e equânime da herança na ausência de descendentes e cônjuge.

Em suma, as famílias contemporâneas, plurais e baseadas no afeto, exigem soluções jurídicas à sua altura. Lidar com um inventário que envolva a herança multiparental requer não apenas conhecimento do Código Civil, mas também uma profunda compreensão da jurisprudência mais atualizada e dos princípios constitucionais que regem o Direito de Família. Consequentemente, a falta de orientação especializada pode levar a litígios prolongados e à incerteza patrimonial.

Não deixe dúvidas pairarem sobre o destino do seu patrimônio ou dos bens de seus entes queridos. Nosso escritório de advocacia é especializado em Direito Sucessório e de Família, com ampla experiência em casos de multiparentalidade. Se você busca esclarecer como fica a herança em sua família, necessita de orientação personalizada para um inventário ou deseja iniciar um planejamento sucessório seguro e eficaz, entre em contato conosco hoje mesmo. Proteja seus direitos e a memória de seus laços afetivos. Solicite um orçamento e garanta a tranquilidade jurídica que sua família merece.

Sair da versão mobile