O contrato de locação estabelece um equilíbrio de direitos e deveres. Para o inquilino (locatário), representa o direito à moradia ou ao ponto comercial; para o proprietário (locador), a rentabilidade de seu patrimônio. Contudo, esse equilíbrio é drasticamente rompido por um evento externo traumático: a invasão do imóvel por terceiros. Quando isso ocorre, o caos se instala e a pergunta central é imediata: de quem é a responsabilidade?
O locatário, que paga o aluguel, vê-se privado do uso pelo qual está pagando. O locador, por sua vez, vê seu patrimônio ameaçado. A situação gera um conflito jurídico complexo: o inquilino deve continuar pagando o aluguel? Quem deve arcar com os custos de uma ação judicial para retirar o invasor?
A resposta não é simples e reside na correta interpretação da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91) e dos conceitos de posse do Código Civil. Este artigo visa esclarecer, de forma técnica e definitiva, quais são as obrigações de cada parte e os passos corretos a serem tomados quando um imóvel alugado é invadido.
A Posse Direta (Inquilino) vs. A Posse Indireta (Proprietário)
Para entender quem deve agir, precisamos primeiro entender a divisão da posse durante a locação. Quando um contrato de aluguel é assinado, o proprietário não “perde” a posse; ele a desdobra.
- Posse Indireta (Locador): O proprietário continua sendo possuidor do imóvel. Ele não tem o contato físico, mas exerce o direito de dono, mantendo a posse mediata (indireta).
- Posse Direta (Locatário): O inquilino passa a ter a posse direta. Ele é quem usa, goza e detém fisicamente o bem.
Ambos são possuidores e, portanto, ambos têm o direito legal de proteger essa posse contra ameaças de terceiros. A invasão, conhecida no jargão jurídico como esbulho possessório, é a perda total da posse por um ato de violência, clandestinidade ou precariedade.
Se ambos podem defender a posse, sobre quem recai a obrigação de fazê-lo? A resposta está na Lei do Inquilinato.
A Obrigação Primária do Locador: Garantir o Uso Pacífico
O pilar central das obrigações do proprietário está no Artigo 22 da Lei do Inquilinato. Este artigo é claro ao definir os deveres do locador, sendo o principal:
- Inciso II: “garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;”
- Inciso III: “manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;”
- Inciso IV: “responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação;”
A invasão por um terceiro é a quebra mais flagrante da garantia de “uso pacífico”. Não se trata de um problema de convivência (como barulho de vizinho), mas sim de um ato de terceiro que impede totalmente o uso para o qual o imóvel foi alugado.
Portanto, a responsabilidade legal primária de mover as ações cabíveis para restaurar a posse e garantir que o inquilino possa usar o bem é do locador (proprietário). Ele tem o dever contratual e legal de defender o imóvel.
O Dever Fundamental do Locatário: A Notificação Imediata
Se a obrigação de agir é do locador, o locatário tem um papel crucial e indispensável. O Artigo 23 da Lei do Inquilinato estabelece os deveres do inquilino. Entre eles, destacamos:
- Inciso IV: “levar imediatamente ao conhecimento do locador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este incumba, bem como as eventuais turbações [perturbações] de terceiros;”
Este inciso é a chave de todo o processo. O locatário, sendo o possuidor direto e a primeira pessoa a tomar ciência da invasão (esbulho), tem a obrigação legal de notificar imediatamente o locador.
Essa notificação não deve ser verbal. Ela precisa ser formal, preferencialmente por um meio que gere prova inequívoca, como uma notificação extrajudicial (via Cartório de Títulos e Documentos) ou, no mínimo, um e-mail com aviso de recebimento.
A falha do inquilino em notificar o proprietário rapidamente pode, inclusive, acarretar sua própria responsabilização por omissão, caso o locador sofra prejuízos pela demora em reaver o bem.
A Solução Jurídica: A Ação de Reintegração de Posse
Uma vez que o locador é notificado (ou que o próprio locatário decida agir, como veremos), a ferramenta jurídica correta é a Ação de Reintegração de Posse.
O objetivo dessa ação é provar ao Judiciário que:
- O autor (locador ou locatário) detinha a posse legítima;
- Ocorreu o esbulho (a invasão);
- A data em que o esbulho ocorreu;
- A perda da posse como resultado desse ato.
É vital que o Boletim de Ocorrência (B.O.) seja registrado imediatamente após a ciência da invasão, pois ele servirá como prova robusta da data do esbulho.
A Importância da “Ação de Força Nova” (Menos de Ano e Dia)
Se a ação for ajuizada dentro do prazo de “ano e dia” (um ano e um dia) a contar da data da invasão, o procedimento é muito mais rápido. É o que chamamos de “ação de força nova”.
Nesse caso, o autor da ação pode solicitar ao juiz uma liminar (medida de urgência). Se o juiz se convencer das provas iniciais (contrato de aluguel, B.O., fotos), ele pode expedir um mandado de reintegração de posse imediatamente, antes mesmo de ouvir os invasores. Isso permite a desocupação rápida do imóvel.
Se a ação demorar mais de ano e dia, ela segue o rito comum (“força velha”), tornando-se mais lenta e sem a possibilidade dessa liminar possessória.
E se o Locador Não Fizer Nada?
O locatário notificou o proprietário, mas este se mantém inerte. O que acontece? O inquilino tem dois caminhos:
- O Próprio Inquilino Pode Ajuizar a Ação: Como dissemos, o locatário tem posse direta e, portanto, legitimidade ativa para entrar com a Ação de Reintegração de Posse contra os invasores. Ele não precisa “esperar” pelo proprietário, pois seu próprio direito está sendo violado.
- Rescisão do Contrato por Culpa do Locador: Este é o caminho mais comum. Se o locador falha em seu dever de garantir o uso pacífico (Art. 22), ele está descumprindo o contrato de locação. O inquilino pode, então, pedir a rescisão contratual judicial (ou extrajudicial, dependendo do caso), sem pagamento de qualquer multa rescisória.
O Aluguel Deve Continuar Sendo Pago?
Esta é a dúvida mais aflitiva para o inquilino. A resposta legal é: não.
O aluguel é a contraprestação pelo uso do imóvel. Se o uso foi tornado impossível por um fator (a invasão) que o locador tinha o dever de resolver, o objeto do contrato desapareceu. O inquilino não pode ser obrigado a pagar por algo que não pode usar.
Continuar pagando o aluguel após a invasão e a notificação da inércia do locador pode ser considerado um erro. O ideal é que, ao notificar o locador sobre a invasão, o inquilino já informe que os pagamentos serão suspensos até a resolução do problema ou que buscará a rescisão contratual.
Caso o inquilino queira se resguardar ainda mais, ele pode ingressar com uma Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos, onde poderá cobrar do locador omisso os custos que teve com a mudança forçada, eventuais bens perdidos na invasão (se comprovada a negligência do locador em agir) e a multa contratual (invertida).
Ação Rápida é a Chave
A invasão de um imóvel alugado é um dos cenários mais complexos do Direito Imobiliário, colocando locador e locatário em uma situação de vulnerabilidade. A lei, no entanto, é clara: o proprietário tem o dever de garantir o uso pacífico e, portanto, a responsabilidade primária de agir judicialmente para reaver o bem.
Ao locatário, cabe o dever inafastável de notificar imediatamente o proprietário, sob pena de ser corresponsabilizado. Se o locador for omisso, o inquilino ganha o direito de rescindir o contrato por justa causa, cessar os pagamentos e, potencialmente, ser indenizado.
Em ambas as pontas, a agilidade é crucial. A demora em registrar o Boletim de Ocorrência ou em ajuizar a Ação de Reintegração de Posse pode significar a diferença entre uma liminar rápida e um processo que se arrastará por anos.
Lidar com a complexidade de uma ação possessória enquanto se gerencia a quebra de um contrato de locação exige profundo conhecimento técnico e atuação estratégica. Não há espaço para amadorismo quando o patrimônio e a moradia estão em risco.
Se você é locador e teve seu imóvel invadido, ou se é locatário e está impedido de usar o bem, entre em contato com nosso escritório. Somos especialistas em Direito Imobiliário e Possessório e estamos preparados para analisar seu caso, enviar as notificações corretas e agir judicialmente com a urgência que a situação exige.