A atuação de enfermeiras e enfermeiros em setores de urgência e emergência é, por natureza, um campo de alta pressão. As decisões precisam ser tomadas em segundos, e a linha entre salvar uma vida e enfrentar complicações legais pode ser perigosamente tênue. Nesse cenário de caos controlado, muitos profissionais da enfermagem questionam: quais são, de fato, meus direitos e deveres? Até onde vai minha responsabilidade?
Compreender a fundo o panorama legal e ético que rege a profissão não é apenas um diferencial, mas uma necessidade fundamental para a segurança do profissional e do paciente. Em primeiro lugar, é preciso entender que a prática da enfermagem é regida por um tripé: a legislação federal (Lei nº 7.498/86), as resoluções do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) — com destaque para o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem — e, claro, a legislação civil e penal brasileira.
Este guia foi elaborado para esclarecer os pontos mais críticos sobre os direitos e deveres de enfermeiras que atuam na linha de frente, oferecendo uma base sólida para uma prática mais segura e consciente.
Os Pilares da Atuação: Os Deveres Inegociáveis em Urgência e Emergência
A base de uma defesa jurídica sólida começa com o cumprimento irrestrito dos deveres profissionais. Em um ambiente de emergência, alguns deveres se tornam ainda mais proeminentes.
1. Dever de Competência Técnica e Científica
O profissional tem o dever de prestar uma assistência de enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.
- Imperícia: É a falta de habilidade técnica ou conhecimento para realizar determinado procedimento. Em uma emergência, isso significa não se aventurar em técnicas para as quais não se está devidamente treinado, mesmo sob pressão.
- Negligência: É a falta de cuidado ou a omissão. Por exemplo, deixar de monitorar um paciente em estado grave ou não checar a medicação corretamente.
- Imprudência: É a ação precipitada, sem a devida cautela. Um exemplo seria administrar um medicamento em uma velocidade muito superior à recomendada, colocando o paciente em risco.
Portanto, a atualização constante e o conhecimento dos protocolos institucionais são os primeiros escudos de proteção do enfermeiro.
2. Dever de Registro Completo e Fidedigno
No campo jurídico, existe uma máxima: o que não está registrado, não aconteceu. O prontuário do paciente é o seu mais importante documento de defesa. Cada procedimento, cada medicação administrada, cada mudança no quadro clínico e cada comunicação com a equipe médica devem ser meticulosamente registrados. Além disso, os registros devem ser claros, objetivos e cronológicos. Um prontuário bem-feito pode ser a diferença entre uma defesa bem-sucedida e uma condenação em um processo ético ou judicial.
3. Dever de Respeito e Informação
Mesmo na agitação de uma emergência, o dever de tratar o paciente e seus familiares com respeito e de fornecer informações claras (dentro dos limites de sua competência) é fundamental. A comunicação eficaz reduz a ansiedade dos envolvidos e, consequentemente, diminui a probabilidade de mal-entendidos que podem evoluir para queixas formais.
A Armadura Legal: Os Direitos que Protegem o Profissional de Enfermagem
Tão importantes quanto os deveres são os direitos que asseguram ao enfermeiro a capacidade de exercer sua profissão com dignidade e segurança.
1. Direito a Condições de Trabalho Seguras
Talvez este seja o direito mais crucial no contexto de emergência. O Art. 21 do Código de Ética é claro ao garantir o direito do profissional de recusar-se a exercer suas atividades em local de trabalho onde as condições não sejam dignas, seguras e salubres. Nesse sentido, a falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), a sobrecarga de trabalho excessiva e a ausência de materiais básicos para o atendimento são motivos legítimos para uma recusa formal, que deve ser documentada e comunicada à chefia imediata e ao COREN.
2. Direito à Autonomia Profissional
O enfermeiro tem o direito de exercer a profissão com autonomia, dentro dos limites legais e dos protocolos estabelecidos. Isso significa que ele não é um mero cumpridor de ordens médicas. Ele possui conhecimento técnico para avaliar situações e, inclusive, o dever de questionar prescrições que pareçam inadequadas ou que possam colocar o paciente em risco, discutindo a questão com o profissional prescritor.
3. Direito de Recusa a Procedimentos para os quais não está Capacitado
Nenhum enfermeiro é obrigado a executar procedimentos para os quais não possua competência técnica e científica. Se for exigido que realize uma atividade de alta complexidade sem o devido treinamento, o profissional tem o direito e o dever de se recusar, protegendo a si mesmo e ao paciente. Contudo, essa recusa deve ser imediata e justificada, para que outro profissional habilitado possa ser acionado.
A Responsabilidade Civil e o Processo Ético-Disciplinar
Quando ocorre um dano ao paciente, o enfermeiro pode ser responsabilizado em duas esferas distintas, mas que podem caminhar juntas:
- Esfera Ético-Disciplinar: A denúncia é feita ao Conselho Regional de Enfermagem (COREN), que instaurará um processo para apurar se houve infração ao Código de Ética. As penalidades podem variar desde uma advertência até a cassação do direito de exercer a profissão.
- Esfera Cível e/ou Criminal: O paciente ou sua família podem ingressar com uma ação judicial buscando uma indenização por danos materiais, morais e estéticos. Em casos mais graves, que resultem em lesão corporal grave ou morte, pode haver também a responsabilização criminal.
Dessa forma, fica claro que a complexidade da atuação em emergência exige mais do que apenas habilidade técnica. Exige um profundo conhecimento de seus limites, deveres e, principalmente, de seus direitos.
A atuação segura na enfermagem de emergência é um ato de equilíbrio constante. Conhecer a legislação não é um luxo, mas uma ferramenta de trabalho essencial. Agir com base na ciência, na ética e com o respaldo do conhecimento de seus direitos é a forma mais eficaz de garantir a segurança do paciente e construir uma carreira sólida e protegida de intercorrências legais.
Se você é um profissional de enfermagem e enfrenta uma situação legal ou tem dúvidas sobre seus direitos e deveres na prática diária, buscar orientação jurídica especializada em Direito da Saúde é o passo mais seguro e estratégico.