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Alterações Estruturais e a Perda da Garantia do Imóvel: O que Você Precisa Saber.

Engenheiro civil e proprietário discutindo uma alteração estrutural em planta de apartamento, com foco na manutenção da garantia do imóvel e cumprimento da NBR 16.280.

A aquisição de um imóvel novo, seja na planta ou recém-concluído, representa um dos maiores investimentos na vida de uma pessoa. Com as chaves em mãos, o próximo passo natural é o desejo de personalizar o espaço: integrar a varanda à sala, abrir a cozinha para a área de estar ou criar um novo cômodo.

Contudo, o que começa como um sonho de otimização pode rapidamente se transformar em um complexo litígio. A empolgação da reforma, quando conduzida sem o devido rigor técnico e jurídico, é a principal causa para o pesadelo de muitos proprietários: a perda da garantia do imóvel oferecida pela construtora.

Muitos acreditam que “a parede não é estrutural” ou que uma “pequena mudança” não trará consequências. No entanto, a legislação brasileira e as normas técnicas são rigorosas. Uma alteração mal executada pode comprometer não apenas a cobertura de futuros defeitos, mas a própria segurança da edificação.

Como advogados especializados em Direito Imobiliário e do Consumidor, entendemos a complexidade dessa intersecção entre engenharia e legislação. Neste artigo, vamos desmistificar quais alterações podem, de fato, levar à anulação da garantia da construtora e o que você precisa fazer para reformar seu patrimônio com segurança jurídica.

O Alicerce do Direito: Entendendo as Garantias do Imóvel

Antes de discutir a perda da garantia, é fundamental compreender quais garantias protegem o comprador de um imóvel novo. Elas não são únicas e possuem prazos e naturezas distintas.

A Garantia de Solidez e Segurança (Código Civil)

A garantia mais robusta é a prevista no Artigo 618 do Código Civil. Ela determina que o construtor (empreiteiro) responde pela solidez e segurança da obra pelo prazo irredutível de 5 (cinco) anos.

Esta é a “garantia estrutural”. Ela cobre defeitos graves que comprometem a estabilidade da edificação, como problemas em fundações, vigas, pilares e lajes. É importante notar que este prazo de 5 anos é de garantia. Caso o defeito apareça no último dia desse período, o proprietário ainda tem um prazo (prescricional) para ingressar com a ação judicial cabível.

A Garantia Legal (Código de Defesa do Consumidor)

Quando a compra é feita diretamente da construtora, estamos diante de uma relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece, em seu Artigo 26, uma garantia legal para vícios (defeitos) aparentes ou de fácil constatação, cujo prazo para reclamar é de 90 dias a contar da entrega das chaves.

A Garantia Contratual (O Manual do Proprietário)

Esta é a garantia que a maioria das pessoas conhece. É aquela oferecida voluntariamente pela construtora e detalhada no Manual do Proprietário (ou Manual de Uso e Manutenção).

Aqui, a construtora estipula prazos específicos para diferentes sistemas do imóvel. Por exemplo:

O Manual do Proprietário é a peça central desta discussão. Ele funciona como um contrato de adesão e um guia de boas práticas. O cumprimento das diretrizes desse manual é a condição essencial para a manutenção da garantia contratual.

O Ponto de Ruptura: O que Configura Alteração Estrutural?

O senso comum limita o conceito de “estrutura” apenas a vigas, pilares e lajes. No entanto, para a engenharia e o direito, o conceito é muito mais amplo.

Uma edificação é um sistema complexo e interdependente. Qualquer modificação que altere o comportamento desse sistema ou sobrecarregue seus componentes pode ser considerada uma alteração estrutural ou, no mínimo, uma alteração de desempenho que afeta a segurança.

Exemplos clássicos que levam à perda da garantia incluem:

  1. Remoção de Paredes: Mesmo paredes de “drywall” ou blocos de vedação (não estruturais) ajudam na distribuição de cargas leves e no contraventamento. Sua remoção sem análise técnica pode causar fissuras em outros pontos.
  2. Integração de Varandas: A remoção de portas e esquadrias entre a sala e a varanda altera significativamente as cargas de vento (empuxo) para as quais a fachada foi calculada, podendo gerar infiltrações e até problemas de estabilidade nos caixilhos.
  3. Abertura de Vãos: Criar uma nova porta ou um “passa-prato” em uma parede de alvenaria estrutural (onde a própria parede é a estrutura) é terminantemente proibido sem um reforço complexo.
  4. Alteração de Pontos Hidráulicos/Elétricos: Quebrar paredes ou lajes para mudar um ralo de lugar ou criar um novo ponto de luz pode danificar impermeabilizações (gerando infiltrações) ou cortar vergalhões (ferragem) dentro do concreto.
  5. Instalação de Cargas Excessivas: Pendurar banheiras de hidromassagem na varanda, instalar “jardins de inverno” com grande volume de terra ou trocar o piso por um material muito mais pesado (como mármore espesso) aumenta a sobrecarga na laje, para a qual ela pode não ter sido projetada.

A Norma Inegociável: ABNT NBR 16.280

Desde 2014 (com revisões posteriores), a Norma ABNT NBR 16.280 (Reforma em Edificações) mudou o jogo das reformas, especialmente em condomínios.

Esta norma estabelece que qualquer reforma que altere ou comprometa a segurança da edificação ou de seus sistemas exige a supervisão de um profissional habilitado (engenheiro ou arquiteto).

O proprietário deve contratar esse profissional para elaborar um plano de reforma e emitir uma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) ou RRT (Registro de Responsabilidade Técnica). Este documento deve ser entregue ao síndico antes do início da obra.

Na prática, a NBR 16.280 é a principal ferramenta jurídica da construtora. Se o proprietário realiza uma reforma sem a devida ART/RRT, ele assume integralmente a responsabilidade por qualquer problema futuro.

O Nexo Causal: Quando a Construtora Pode (Legalmente) Negar a Garantia

Este é o ponto crucial. A construtora não pode cancelar a garantia total do seu imóvel de forma genérica.

A perda da garantia é parcial e está diretamente ligada ao nexo causal (a relação de causa e efeito).

Em outras palavras: a construtora só pode se eximir da responsabilidade de consertar um defeito se ela comprovar tecnicamente que o problema foi causado ou agravado pela reforma realizada pelo proprietário.

Vejamos dois cenários:

O grande risco para o consumidor é que, ao reformar sem seguir as normas (especialmente a NBR 16.280), ele perde o direito à inversão do ônus da prova (previsto no CDC). Caberá ao proprietário, e não à construtora, ter que provar judicialmente que sua reforma não foi a causa do problema, o que é uma perícia cara e complexa.

Como Reformar com Segurança Jurídica: O Passo a Passo

Para personalizar seu imóvel sem arriscar seu patrimônio e seus direitos, o caminho é o planejamento:

  1. Estude o Manual do Proprietário: Antes de sonhar com a reforma, leia o manual. Ele é o “contrato” da sua garantia. Ele detalha o que pode ou não ser feito e quais os prazos de cobertura.
  2. Consulte a Construtora: Se a alteração for significativa (ex: fechar a varanda com vidro), algumas construtoras oferecem um serviço de análise de projeto para aprovação, garantindo que a intervenção não viole a garantia.
  3. Contrate um Arquiteto ou Engenheiro: Este é um investimento, não um custo. O profissional fará a análise de viabilidade e, mais importante, emitirá a ART ou RRT.
  4. Cumpra a NBR 16.280: Apresente o plano de reforma e a ART/RRT ao síndico do seu condomínio e obtenha a autorização formal antes de iniciar os trabalhos.
  5. Guarde Toda a Documentação: Mantenha cópias do projeto original (“as built”), do projeto de reforma, da ART/RRT e das notas fiscais de materiais e serviços.

Planejamento é a Melhor Garantia

A personalização de um imóvel novo é um direito do proprietário, mas esse direito vem acompanhado da responsabilidade pela manutenção da segurança e integridade da edificação. O desejo de “economizar” ao não contratar um profissional técnico para uma reforma é o caminho mais curto para um prejuízo devastador.

A perda da garantia do imóvel por alterações estruturais é uma realidade jurídica complexa. Disputas entre proprietários e construtoras sobre a origem de um defeito (se é vício construtivo ou mau uso/reforma indevida) estão entre as mais técnicas do Direito Imobiliário, exigindo perícias de engenharia e uma argumentação jurídica robusta.

Não espere o problema surgir para buscar orientação. Se a sua garantia foi negada indevidamente pela construtora, ou se você está planejando uma reforma e deseja assegurar que seus direitos sejam preservados, nosso escritório está à disposição.

Somos especialistas em Direito Imobiliário e do Consumidor, prontos para analisar seu Manual do Proprietário, seus projetos de reforma e a negativa da construtora. Entre em contato conosco para uma consulta personalizada e proteja o maior investimento da sua vida.

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